No Brasil, os médicos vivem a situação do pleno emprego. Resultado da ousadia constitucional de instituir a saúde como direito de todos e dever do estado e do crescimento econômico que vivenciamos nos últimos dez anos. Paradoxalmente, o exercício da profissão nunca esteve tão ameaçado e a sociedade correndo grave risco da assistência médica piorar ainda mais.
A universalização da atenção à saúde associada à descentralização da assistência médica provocou forte demanda por médicos em todos os 5.564 municípios brasileiros. O crescimento econômico, o aumento da massa salarial e a ampliação da oferta de emprego retiraram milhões de pessoas da pobreza constituindo o que foi cunhado de “nova classe média”. Este contingente populacional foi ao mercado e um dos itens de consumo escolhidos foi a compra de planos de saúde uma vez mais ampliando a demanda por médicos.
No Sistema Único de Saúde (SUS) a contratação de médicos pelos estados e municípios obedece a lei da oferta e da procura. Desta forma, com o mercado aquecido, o trabalho médico ficou caro e levou à concentração dos médicos nos grandes centros urbanos onde estes têm acesso, facilmente, a bens de consumo, cultura, tecnologia, atualização profissional, etc.
O governo federal não fez uma boa anamnese e diagnosticou a concentração de médicos e o alto custo do trabalho médico como “falta de médicos”. Diagnóstico equivocado leva a terapêutica errada. A solução oferecida à presidente por seus burocratas do Ministério da Saúde e Ministério da Educação são desastrosas.
Senão vejamos: Serviço civil obrigatório, que levaria médicos a força para trabalho temporário durante um ou dois anos em cidades de difícil promimento de médicos. Pensem na satisfação destes profissionais. O natimorto PROVAB, oferecendo mundos e fundos aos médicos, esquecendo que os prefeitos não têm recursos para pagar o que o mercado determina.
Outras estratégias “brilhantes”: criar a revalidação automática de diplomas médicos obtidos no exterior trazendo para o país, a curto prazo, uma massa de cerca de 25.000 médicos, a maioria concluindo seus cursos nas faculdades de fim de semana na Bolívia; ampliar o número de vagas nas escolas médicas existentes e aprofundar a abertura indiscriminada de escolas médicas flexibilizando as avaliações das empresas proponentes, sob o manto de um “novo olhar” sobre o processo, com o objetivo é ter, em três anos 8.000 novas vagas nos cursos de medicina.
Se todas as propostas forem implementadas teremos como resultado o aumento exponencial de médicos no país, queda brutal na qualidade da assistência médica, aumento da concentração de médicos nos grandes centros e pauperização da categoria médica. Perderão os médicos, mas, desgraçadamente, perderão muito mais a população e a medicina brasileira.
O diagnóstico correto não é “falta de médicos” e sim “falta de política de recursos humanos”. A política de recursos humanos para o SUS deve ser uma política de estado. A oferta de profissionais não pode se dar pelas leis de mercado. Todas as atividades estratégicas para o país são garantidas através de sistema sustentável e meritocrático. O judiciário, militares, diplomatas, auditores fiscais, todos têm carreira de estado. A carreira fixa o profissional, traz o estímulo à qualificação, premia pelo mérito e dedicação, oferece perspectiva de futuro e é excelente instrumento de gestão. A Carreira é a solução. Só não vê quem não quer.
Waldir Cardoso Médico paraense, membro do CFM, Conselho Federal de Medicina
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